sábado, 1 de outubro de 2016

Albert Schweitzer, o São Francisco luterano

"Albert Schweitzer foi e ainda poderia ser 'médico da consciência europeia', para curá-la da sua antiga, obscura e temível doença mortal: a doença do colonialismo, da violência e da guerra, começando pela guerra contra os animais, e ensiná-la precisamente o 'respeito pela vida' dos outros."

Propomos aqui a conferência que o estudioso valdense Paolo Ricca realizará sobre o teólogo e filantropo alsaciano Albert Schweitzer, no próximo dia 1º de outubro durante o evento Torino Spiritualità.

O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 29-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Respeito pela vida" é o coração do pensamento e da vida de Albert Schweitzer, nascido na Alsácia em 1875, falecido aos 90 anos em 1965, prêmio Nobel da Paz em 1954. Embora tendo diante de si uma brilhante carreira universitária (era um teólogo profissional), renunciou a ela e, em 1913, partiu para a África equatorial (da época! Muito diferente da de hoje! Passou-se mais de um século) e fundou um hospital em Lambaréné, onde passou a vida cuidando dos africanos. Por isso, foi chamado de "médico da selva". Na realidade, ele foi e ainda poderia ser "médico da consciência europeia", para curá-la da sua antiga, obscura e temível doença mortal: a doença do colonialismo, da violência e da guerra, começando pela guerra contra os animais, e ensiná-la precisamente o "respeito pela vida" dos outros.

Ele era filho de um pastor protestante (luterano), foi ele mesmo pastor luterano e, apesar de ter se tornado médico e de exercer essa profissão por toda a vida, sempre foi pastor e pregador evangélico. Mas o que há por trás desse seu programa do "respeito pela vida"? Digamos, acima de tudo, que essa expressão traduz apenas em parte a expressão alemã que está na sua base: Ehrfurcht vor dem Leben, literalmente "santo temor (ou reverência) diante da vida", que é algo diferente e mais do que o simples "respeito" (que, em todo o caso, já é muito). A ideia é que, diante da vida, você deve parar, não pode violá-la, não pode pôr as suas mãos sobre ela, não pode dispor dela à vontade, ela não lhe pertence, é algo infinitamente maior do que você, um mistério que transcende você, do qual você ignora o significado e o valor.

De onde nasce o "respeito pela vida"? Nasce de uma dupla raiz, uma cristã, a outra indiana. A cristã tem a ver com Jesus e com a sua espera pelo Reino de Deus próximo (como ele chama), que ele pensava que chegaria ainda na sua geração. O Reino não veio, e, nisso, Jesus se equivocou, mas a ética do Reino que ele colocou em movimento e, por primeiro, pôs em rpática é, de acordo com Schweitzer, válida em todos os tempos e por todas as gerações, mais do que nunca para a nossa. Essa ética está escrita no Sermão da Montanha do evangelista Mateus, nos capítulos 5 a 7. Ela envolve a escolha não violenta e até mesmo o amor aos inimigos. Nessa matriz cristã, insere-se a indiana, que Schweitzer descobriu estudando de perto os grandes pensadores da Índia.

Mas foi na África que a ideia lhe veio, quase como uma fulguração, durante uma viagem pelo rio, como ele mesmo contou depois várias vezes. Quais são os conteúdos essenciais do "respeito pela vida", no qual se fundem a ética e a religião, e que nasce da consciência elementar de que cada um de nós é, acima de tudo, "vida que quer viver, em meio a outras vidas que também querem viver"? Os conteúdos são estes.

1) A vida é sagrada. Dom supremo (nós podemos transmiti-la, não podemos criá-la; somos criaturas, não criadores), mas também extremamente vulnerável, que é confiado às nossas mãos. Suma responsabilidade que deve suscitar em nós um "santo (ou reverencial) temor" diante do extraordinário e inviolável fenômeno da vida.

2) Toda vida é sagrada. "O homem é moral – diz Schweitzer – somente quando considera sagrada a vida em si mesma, a das plantas e dos animais, assim como a dos seres humanos, e se esforça para socorrer todas as vidas que se encontrem em dificuldades, na medida do possível". Schweitzer coloca-se em tudo e por tudo na linha de Francisco de Assis, a quem ele admirava muito.

3) "Respeito pela vida" não é uma atitude contemplativa, mas uma força interior que motiva o agir ético e mobiliza a vontade de se pôr a serviço da vida dos outros. "Como a hélice giratória impulsiona o navio através das águas, assim o respeito pela vida impulsiona o homem a agir."

4) O "respeito pela vida" não só responsabiliza o homem em vista da ação, mas também o coloca em uma relação espiritual com o mundo. "Somente uma ética de amplos horizontes que nos imponha voltar a nossa atenção operosa a todos os seres vivos realmente nos coloca em uma relação interior com o universo e com a vontade que nele se manifesta." A natureza não conhece o respeito pela vida: a lei, na natureza, é: mors tua vita mea. Somente o homem eticamente motivado é capaz de praticar o respeito pela vida, de modo que a lei se torne: vita tua vita mea.

5) O respeito pela vida é a única atitude que corresponde plenamente ao ser do homem e à sua vocação na criação. Vivendo a ética do respeito pela vida, o homem realiza a sua humanidade, alcança verdadeiramente a sua estatura de homem, humaniza-se completamente. Portanto, não humaniza apenas a natureza, mas humaniza também, em primeiro lugar, a si mesmo.

Tudo isso – Schweitzer diz e repete inúmeras vezes nos seus discursos – vale também e particularmente para a vida dos animais, os mais próximos de nós entre todos os seres vivos, dos quais, como queria Francisco de Assis, devemos nos tornar irmãos e não ser donos.

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