sábado, 29 de outubro de 2016

Papa Francisco na véspera da viagem à Suécia- Dar um passo para estar mais próximos

«A minha expectativa é a de conseguir dar um passo de proximidade, para estar mais próximo dos meus irmãos e irmãs que vivem na Suécia». O Papa Francisco apresenta assim a viagem que realizará a Lund e a Malmö de 31 de outubro a 1 de novembro. Na entrevista concedida a Ulf Jonsson – diretor da revista cultural dos jesuítas suecos «Signum» e, de 2011, editorialista de «L'Osservatore Romano» - no passado 24 de setembro em Santa Marta, o Pontífice analisa as suas relações pessoais com os luteranos, deixando sobressair recordações inéditas, relativas em particular à figura do professor sueco de teologia espiritual Anders Ruuth, conhecido em Buenos Aires. Mas no texto sublinha-se sobretudo a importância do ecumenismo, com o convite dirigido a católicos e luteranos a «caminhar juntos» para «não permanecer fechados em perspectivas rígidas, porque as mesma impedem qualquer possibilidade de reforma». Conceito relançado sábado 29 de outubro com um tweet no account @Pontifex: «Abandonemos a linguagem de condenação para abraçar a linguagem da misericórdia».

Divididos por um tempo longo demais

O Papa Francisco estará na Suécia no próximo dia 31 de outubro: participará de uma cerimônia conjunta em Lund, entre a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial, para comemorar os 500 anos da Reforma que será em 2017.

Mas qual o sentido dessa comemoração? É uma demonstração dos sólidos progressos ecumênicos entre católicos e luteranos e dos dons recíprocos derivados do diálogo. Será uma comemoração ecumênica conjunta presidida pelo Pontífice, pelo Bispo Munib A. Younan, Presidente da Federação Luterana Mundial, e pelo Rev. Martin Junge, Secretário Geral da mesma Federação. Para o evento, organizado em colaboração com a Igreja da Suécia e a Diocese de Estocolmo, está prevista uma celebração comum baseada na “Common Prayer – Oração Comum”, o recente guia litúrgico preparado pelos católicos e luteranos e enviado às Igrejas da Federação e às Conferências Episcopais Católicas.
Da parte luterana, o aniversário da Reforma será comemorado em “um espírito de responsabilidade ecumênica”, explicou o Rev. Martin Junge nos dias passados, acrescentando como trabalhando “para a reconciliação entre luteranos e católicos”, se trabalhe pela justiça, a paz e a reconciliação em um mundo dilacerado por conflitos e violências.
Concentrando-se juntas sobre a “centralidade da questão de Deus” e sobre uma abordagem “cristocêntrica”, disse o Cardeal Koch…. as duas comunidades terão a possibilidade de celebrar a comemoração ecumênica da Reforma “não simplesmente de modo pragmático, mas com um sentido profundo da fé em Cristo crucificado e ressuscitado”.
O que brota desse evento é o desejo que o mesmo contribua para a unidade dos cristãos em todo o mundo e que ajude a olhar para o futuro de modo tal a sermos testemunhas de Jesus Cristo e do Seu Evangelho no mundo secularizado de hoje.
A comemoração ecumênica conjunta se enquadra no processo de recepção do documento de 2013 “Do conflito à comunhão”, a primeira tentativa das comunidades luteranas e católicas de descrever juntos, em nível internacional, a história da Reforma e das suas intenções. A Oração Comum, no centro da celebração se baseia em particular no documento “Do conflito à comunhão: comemoração comum luterano-católica da Reforma em 2017” e apresenta os temas de ação de graças, de arrependimento e de compromisso ao testemunho comum, com a finalidade de exprimir os dons da Reforma e pedir perdão pelas divisões seguidas às disputas teológicas.
E o ano de 2017 coincidirá também com os 50 anos do diálogo internacional luterano-católico, do qual brotaram relevantes resultados ecumênicos, como a “Declaração conjunta sobre a Doutrina da Justificação”, assinada em 1999, cancelando “disputas antigas de séculos” sobre verdades fundamentais da Doutrina da Justificação, que estava no centro da Reforma no século XVI.
Já no início da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos deste ano, que aqui na Europa se realiza em janeiro e no Brasil entre a Ascensão e Pentecostes, o Papa Francisco recebendo a delegação ecumênica da Igreja Luterana da Finlândia, recordou os resultados conseguidos no diálogo entre luteranos e católicos, evidenciando como as diferenças que “ainda hoje permanecem na doutrina e nas práxis” não devem nos desencorajar mas impulsionar-nos a prosseguir juntos no caminho em direção de uma sempre maior unidade, também superando antigas concepções e reticências. Sobretudo em um mundo, como o de hoje, “muitas vez dilacerado por conflitos e marcado pelo secularismo e indiferença”. Por isso, disse Francisco, “todos unidos somos chamados a nos comprometermos em professar Jesus Cristo, tornando-nos sempre mais testemunhas críveis de unidade e artífices de paz e reconciliação”. Isso porque a divisão é um “escândalo”.
As Igrejas luteranas sempre celebraram os centenários da Reforma. No passado essas manifestações se realizaram “contra” a Igreja Católica, ou assumiram um caráter nacional. Em 2017, porém, pela primeira vez se abriu a possibilidade de celebrar este aniversário em um clima de diálogo. A Federação Luterana Mundial trabalhou muito nesta direção e hoje a abertura desta celebração na Suécia, na presença do Papa Francisco é um bonito sinal de reafirma este compromisso. E um importante testemunho comum para um futuro baseado no diálogo.
Devemos sublinhar que na Suécia o Papa não celebra a divisão, mas a vontade de encontro, que significa a superação de uma mentalidade baseada no confronto. Confronto que infelizmente viu durante cinco séculos católicos e luteranos, contrapostos, quase querendo afirmar conceitos, em certos momentos, somente para ser contrário ao outro. Por isso a viagem de Francisco na próxima segunda-feira, certamente recordará um evento doloroso, o da divisão, mas acima de tudo lançará sementes para um futuro de alegria, paz, comunhão e união entre irmãos, irmãos divididos por um tempo longo demais. (Silvonei José)

Movimentos Populares se reúnem no Vaticano para terceira edição

Realizou-se na sexta-feira (28/10), na Sala de Imprensa da Santa Sé, a coletiva de apresentação do III Encontro Mundial dos Movimentos Populares, que terá lugar no Vaticano de 2 a 5 de novembro e será coroado com uma audiência com o Papa Francisco

Presidiram a coletiva de imprensa Dom Silvano Maria Tomasi, Secretário-delegado do Pontifício Conselho da Justiça e da Paz, e Juan Grabois, consultor do mesmo organismo e cofundador do Movimento dos Trabalhadores Excluídos e da Confederação da Economia Popular.

Os Encontros Mundiais dos Movimentos Populares são um projeto lançado pelo Papa  para dar voz aos que trabalham com as populações carentes do planeta. O evento reunirá cerca de uma centena de Movimentos e Organizações populares do mundo inteiro, além de dezenas de Bispos e agentes de vários órgãos da Igreja Católica.

Na coletiva, Dom Tomasi realçou a intenção do Papa em “sensibilizar as pessoas sobre a situação dos que vivem nas periferias da sociedade”. “Francisco – recordou – fala de um sistema político para integrar os excluídos, mas demonstra também a mesma sensibilidade para com tais questões, como as que acompanhava quando percorria as ruas de Buenos Aires”.

Por sua vez, Juan Grabois, responsável do Comitê organizador do Encontro, explicou que “esta terceira edição pretende ajudar a “definir propostas de ação” no campo social: o primeiro encontro, em 2014, no Vaticano, era mais orientado ao conhecimento da realidade; o segundo, em 2015, na Bolívia, apostou na reflexão acerca dos desafios que preocupam os movimentos populares.

Para o responsável do Comitê, reunir os Movimentos Populares mundiais foi a forma escolhida pelo Papa para “trazer à tona da mídia mundial uma realidade que sofre em silêncio”. “Temos uma quantidade enorme de Organizações, que trabalham com os mais pobres, que não se resignam com a miséria em que muitos vivem”.

Juan Grabois frisou, por fim, a urgência de “os pobres deixarem de ser vítimas de políticas sociais definidas, sem a sua participação, para se tornar protagonistas de um processo de mudança, que lhes permite o acesso aos direitos mais sagrados como a terra, teto e trabalho”.

Movimentos brasileiros

Do Brasil, participam integrantes dos seguintes movimentos: Conselho de Entidades Negras (Conem), Central dos Movimentos Populares (CMP) , Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), União Nacional Por Moradia Popular (UNMP).

(MT/Ecclesia)

Francisco: Jesus que reza por nós é o fundamento da nossa vida

O fundamento da nossa vida cristã é que Jesus reza por nós. Foi o que afirmou o Papa Francisco na missa celebrada na manhã desta sexta-feira (28/10), na capela da Casa Santa Marta. O Pontífice destacou que cada escolha de Jesus, cada gesto e até mesmo o fim de sua vida terrena na Cruz foi marcada pela oração.
Como faz habitualmente, Francisco fez sua homilia partindo das leituras do dia e comentou o Evangelho, em que Jesus escolhe seus discípulos depois de uma longa e intensa oração.

A pedra angular

“A pedra angular é o próprio Jesus”, disse o Papa. “Sem Ele, não há Igreja.” Francisco, porém, destaca um detalhe do Evangelho de São Lucas que faz refletir:

“Jesus foi para a montanha rezar e passou toda a noite em oração a Deus’. E depois aconteceu tudo: as pessoas, a escolha dos discípulos, as curas, a expulsão dos demônios … A pedra angular é Jesus, sim: mas Jesus que reza. Jesus reza. Rezou e continua rezando pela Igreja. A pedra angular da Igreja é o Senhor diante do Pai, que intercede por nós. Nós rezamos para Ele, mas o fundamento é Ele que reza por nós”.

A nossa segurança é Jesus em oração

“Jesus sempre rezou pelos seus discípulos, inclusive na última Ceia, disse o Papa. Antes de realizar qualquer milagre, Jesus reza. Francisco cita como exemplo a ressurreição de Lázaro: Jesus reza ao Pai”:

“No Jardim das Oliveiras, Jesus reza; na Cruz, termina rezando: a sua vida terminou em oração. E esta é a nossa segurança, este é o nosso fundamento, esta é a nossa pedra angular: Jesus que reza por nós! Jesus que reza por mim! E cada um de nós pode dizer isto: estou certo, estou certa de que Jesus reza por mim; ele está diante do Pai e me cita. Esta é a pedra angular da Igreja: Jesus em oração”.

Refletir sobre o mistério da Igreja

O Papa propõe o episódio, antes da Paixão, quando Jesus se dirige a Pedro com a advertência”: “Pedro … Satanás vos pediu para vos cirandar como o trigo. Mas eu roguei por ti para que a tua fé não desfaleça”:

“E aquilo que diz a Pedro o diz a você, e a você, e a você, e a mim, e a todos: ‘Eu rezei por você, eu rezo por você, eu agora estou rezando por você’, e quando vem no altar, Ele vem para interceder, para rezar por nós. Como faz na Cruz. E isso nos dá uma grande segurança. Eu pertenço a esta comunidade, forte porque tem como pedra angular Jesus, mas Jesus que reza por mim, que reza por nós. Hoje nos fará bem na Igreja; refletir sobre este mistério da Igreja. Somos todos como uma construção, mas o fundamento é Jesus, é Jesus que reza por nós. É Jesus que reza por mim”.

(bf)

(from Vatican Radio)

Papa na Suécia: futuro rico de promessas, diz Card. Parolin

“Do conflito à comunhão. Juntos na esperança” é o lema da 17ª viagem apostólica internacional do Papa Francisco que visitará a Suécia de 31 de outubro a 1º de novembro, por ocasião da celebração ecumênica dos 500 anos da Reforma protestante e em agradecimento pelos 50 anos de diálogo oficial entre as duas Confissões. No dia 1º, o Pontífice celebrará a Missa para a pequena comunidade católica sueca. A este respeito, o Centro Televisivo Vaticano ouviu o Cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin:

“Em 1517, o monge Lutero, na cidade de Wittemberg, contestou publicamente a venda de indulgências, e também em um contexto de grandes mudanças políticas, sociais e econômicas da sociedade daquele tempo, deu início a um processo de transformações que levou, infelizmente, à divisão e à separação das Igrejas no Ocidente, e acompanhado por lutas pelo poder, por violência, guerras, as famosas guerras de religiões que depois se seguiram. E a partir daquela época, praticamente os centenários da Reforma foram sempre recordados, foram sempre comemorados de forma polêmica, com um espírito de confronto e talvez se possa falar mesmo de hostilidades. Esta vez, pelo contrário, não é assim... Pela primeira vez católicos com a presença do Papa e luteranos, celebram juntos este quinto centenário da Reforma. E eu penso realmente que se possa falar de um momento histórico, se possa falar realmente de um marco no caminho da reconciliação e da busca comum da unidade entre as Igrejas e as comunidades eclesiais. E este momento assim tão importante é fruto do diálogo que se desenvolveu nestes 50 anos, a partir da solicitação do Concílio Vaticano II. Um diálogo que buscou superar as dificuldades, buscou criar confiança entre as partes e buscou esclarecer, segundo o princípio enunciado já por São João XXIII, aquilo que une, mais do que aquilo que divide e separa. Um diálogo em que um dos pontos centrais foi precisamente a assinatura, em 1999, da Declaração Comum sobre a Doutrina da Justificação, um dos pontos que estavam na origem e que tornaram-se precisamente o centro da polêmica. Portanto, é de agradecer ao Senhor por se ter chegado a este ponto, que é o fruto de um caminho que se está levando em frente há tempos, e pedir a Ele para nos ajudar, também por meio deste momento de comemoração comum, de prosseguir no caminho do diálogo e da busca da unidade da Igreja”.

CTV: Depois da oração ecumênica, haverá um momento de festa e testemunho, dirigido sobretudo aos jovens...

“Sim, me parece que se realizará no Estádio de Malmö, e será um momento festivo, um momento de alegria voltado sobretudo aos jovens. Soube que dentro deste momento de celebração haverá também a assinatura entre a seção de serviço para o mundo da Federação Luterana Mundial e a Caritas Internationalis. Como que por dizer que esta reconciliação que estamos buscando deve acontecer sobretudo em vantagem do comum testemunho em relação ao mundo, deve traduzir-se em um encontro, deve traduzir-se em um comportamento de amor compassivo em relação às tantas pessoas que sofrem pelas mais diversas causas no mundo. E obviamente os jovens são chamados em primeira pessoa a assumir este desafio, porque os jovens são o futuro e a esperança, como tantas vezes se disse, da Igreja. E então, a eles é dirigido de maneira especial este momento de celebração, que deve também traduzir-se em um compromisso em relação a um testemunho comum”.

CTV: Os temas da defesa da criação e da solidariedade pelos últimos estarão no centro destes testemunhos...

“É muito importante encontrar âmbitos comuns nos quais este testemunho possa ser traduzido, e me parece que a solidariedade em relação aos últimos e a defesa e a tutela da casa comum possam ser realmente âmbitos de compromisso sério e compromisso eficaz”.

CTV: A Suécia é um país muito secularizado, mesmo que ultimamente se registre um novo interesse pela religião. O testemunho comum dos católicos e luteranos poderá abrir uma brecha neste individualismo e materialismo?

“Certamente, basta recordar a palavra de Jesus: por isto acreditarão, na medida em que vocês derem um testemunho comum. Evidentemente estes são os perigos das nossas sociedades secularizadas: por um lado este fechamento em si mesmas, sem abertura aos outros, e aqui podemos recordar a insistência do Papa Francisco sobre a cultura do encontro, e me parece que a própria comemoração deseja sublinhar esta dimensão, porque fala de passar dos conflitos à comunhão, e depois diz “unidos na esperança”: e a comunhão significa justamente a superação do individualismo, a superação do fechamento em si mesmo, a superação do dobrar-se sobre si mesmo, que no final das contas, é a origem de todos os conflitos. E isto os cristãos o devem fazer sobretudo com o seu exemplo de comunhão, é inútil falar de comunhão se depois cada um segue por conta própria. Portanto, me parece que deste ponto de vista, será importante este testemunho comum. E depois contra o materialismo, que é um fechamento do nosso horizonte somente aos valores terrenos, às realidades terrenas, sem esta abertura ao transcendente, sem esta abertura a Deus. Assim católicos e luteranos são chamados a testemunhar juntos, em nome da fé comum em Jesus Salvador, precisamente toda a beleza, todo o esplendor e toda a alegria da fé, que têm e que testemunha”.

CTV: A pequena comunidade dos católicos suecos está crescendo também graças à imigração. O gesto ecumênico do Papa os ajudará a crescer também na comunhão com os luteranos?

“Eu acredito que esta presença do Papa é um grande estímulo para a comunidade católica a continuar neste caminho da busca da unidade, neste caminho ecumênico. Hoje a escolha ecumênica é uma escolha irreversível, e não obstante tenha conhecido e conheça também dificuldades, acredito que se deva seguir em frente corajosamente. E neste sentido penso que a comunidade católica na Suécia - que como você justamente dizia é formada também por tantos componentes e se está enriquecendo por isto – possa trabalhar junto com a comunidade luterana precisamente pelo testemunho cristão. E em relação a isto gostaria de recordar uma declaração que foi feita recentemente e que me parece muito indicativa do espírito com que católicos e luteranos querem prosseguir. Diz assim: “Juntos católicos e luteranos se aproximarão sempre mais ao seu comum Senhor e Redentor Jesus Cristo. Vale a pena manter o diálogo. É possível deixar para trás os conflitos. O ódio e a violência, mesmo motivados pela religião, não deveriam ser banalizados, ou mesmo justificados, mas sim rejeitados com força. As recordações obscuras podem desaparecer, uma história dolorosa não exclui a possibilidade de um futuro rico de promessas. É possível chegar do conflito à comunhão, e percorrer este caminho juntos, cheios de esperança. A reconciliação traz consigo a força de nos tornar livres, de dirigir-se uns aos outros, mas também de dedicar-nos aos outros no amor e no serviço”. São palavras muito bonitas, sobretudo este futuro rico de promessas. Esperemos que esta comemoração comum abra ao futuro de Deus, que é sempre um futuro rico de promessas”.

(JE)

(from Vatican Radio)

Respeito é a base da relação entre bispos e religiosos, afirma Papa

O Papa Francisco recebeu em audiência no Vaticano, no final da manhã desta sexta-feira (28/10), os participantes do I Congresso Internacional dos Vigários e Delegados Episcopais para a Vida Consagrada.

Depois de ouvir a saudação do promotor do evento, o Cardeal brasileiro João Braz de Aviz, o Papa fez seu discurso refletindo sobre três dimensões da vida consagrada: a sua presença dentro da Igreja particular, a criação de novos Institutos e as relações mútuas.

Francisco citou alguns documentos da Igreja para ressaltar que a vida consagrada é “um capital espiritual que contribui ao bem de todo o corpo de Cristo” e não somente das famílias religiosas. Portanto, o Pontífice pediu aos bispos, vigários e delegados para a vida consagrada que acolham este dom como “elemento decisivo para a sua missão”, promovendo em suas dioceses os diferentes carismas, antigos e novos. Aos consagrados, Francisco recordou que a autonomia e isenção não podem se confundir com isolamento e independência. Os bispos são chamados a respeitar, sem manipular, a pluridimensionalidade que constitui a Igreja. Por sua vez, os consagrados devem se recordar que não são um patrimônio fechado, mas uma dimensão integrada no corpo da Igreja.

Maturidade eclesial

Quanto à criação de novos Institutos, o Papa reforçou que cabe ao bispo diocesano discernir e reconhecer a autenticidade dos dons carismáticos, levando em consideração inúmeros critérios: a originalidade do carisma, a sua dimensão profética, a sua inserção na vida da Igreja particular, o compromisso evangelizador e a também a sua dimensão social. O bispo deve verificar ainda que o fundador ou a fundadora tenha demonstrado maturidade eclesial e uma vida que não contradiga a ação do Espírito Santo. O pastor tem ainda a obrigação de consultar sempre previamente a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e a as Sociedades de Vida Apostólica.

“No momento de erigir um novo instituto não podemos pensar somente na utilidade para a Igreja particular”, afirmou Francisco, acrescentando que os Bispos, seus vigários e delegados não devem ser simplórios na decisão, já que assumem uma responsabilidade em nome da Igreja universal. Ao ser criado, deve-se pensar que o Instituto será destinado a crescer e a sair dos confins da Diocese que o viu nascer. Além disso, o Papa pediu uma atenção especial à formação dos candidatos à vida consagrada.

Responsabilidade

Por fim, o Pontífice falou da relação entre bispos e consagrados – tema que será debatido no Congresso em andamento e matéria de estudo da Congregação para a Vida Consagrada.

“Não existem relações mútuas lá onde alguns comandam e outros se submetem, por medo ou conveniência. Mas há relações mútuas onde se cultiva o diálogo, a escuta respeitosa, a recíproca hospitalidade, o encontro e o desejo de fraterna colaboração pelo bem da Igreja. Tudo isso é responsabilidade seja dos bispos, seja dos consagrados”, reiterou o Papa, que prosseguiu: “Neste sentido, somos todos chamados a ser ‘pontífices’, construtores de pontes. O tempo atual requer comunhão no respeito das diversidades. Não tenhamos medo da diversidade que provém do Espírito”.

Francisco concluiu pedindo uma atenção especial às irmãs contemplativas. “Acompanhem-nas com afeto fraterno, tratando-as como mulheres adultas, respeitando as competências que lhes são próprias, sem interferências indevidas.”

“Queridos irmãos, amem a vida consagrada e para este fim, busquem conhecê-la em profundidade. Construam relações mútuas a partir da eclesiologia de comunhão, do princípio de coessencialidade e da justa autonomia que compete aos consagrados”, foi a exortação final do Papa. 

(bf)

(from Vatican Radio)

Papa a "La Civiltà Cattolica": Não se pode ser católicos e sectários

O Papa Francisco concedeu uma entrevista sobre sua viagem apostólica à Suécia, que se realizará de 31 deste mês a 1° de novembro, ao sacerdote jesuíta Pe. Ulf Jonsson, diretor da revista jesuíta sueca “Signum”, junto com o diretor da revista jesuíta italiana “La Civiltà Cattolica”, Pe. Antonio Spadaro.

"Não se pode ser católico e sectários" disse o Pontífice na entrevista concedida na véspera da visita à Suécia para a comemoração ecumênica dos 500 anos da Reforma Luterana.

“Na entrevista o Papa falou, entre vários assuntos, sobre sua amizade com os luteranos desde quando era garoto e depois nos tempos de seu ministério episcopal. Além de explicar as modalidades da visita e seu significado, Francisco falou sobre o desafio espiritual para as Igrejas “envelhecidas” e sobre a importância da inquietude na sociedade marcada pelo bem-estar. A propósito do diálogo ecumênico sublinhou a importância de “caminhar juntos” para não permanecer fechados em perspectivas rígidas, porque nelas não há possibilidade de reforma.

Introdução do Pe. Jonsson

“Durante um encontro dos diretores das revistas culturais europeias da Companhia de Jesus, na metade de junho, manifestei ao Pe. Antonio Spadaro, diretor de La Civiltà Cattolica, um desejo que eu tinha no coração há muito tempo: entrevistar o Papa Francisco na véspera de sua viagem apostólica à Suécia, 31 de outubro de 2016, para participar da comemoração ecumênica dos 500 anos da Reforma Luterana. Pensei que uma entrevista fosse a melhor maneira de preparar o país para a mensagem que o Pontífice teria endereçado às pessoas durante sua visita. Como diretor da revista cultural dos jesuítas suecos Signum, pensei que este objetivo entrasse plenamente em nossa missão.

O ecumenismo, assim como o diálogo entre as religiões e também com os não fiéis, está muito no coração do Papa. Ele fez entender isso de muitas maneiras. Ele é um homem de reconciliação. Francisco está profundamente convencido de que os homens devem superar barreiras e cercas de qualquer tipo. Acredita no que define “cultura do encontro”. Isso para que todos possam colaborar para o bem comum da humanidade. Queria que esta visão de Francisco pudesse tocar a mente e o coração de muitos antes de sua chegada à Suécia: a entrevista teria sido o meio melhor para alcançar tal objetivo. Disse isso ao Pe. Spadaro com o qual prossegui a reflexão até agosto, quando juntos chegamos à conclusão de que era realmente oportuno apresentar ao Pontífice este pedido a fim de que pudesse decidir se realizá-la ou não. O Papa tomou tempo pra refletir sua oportunidade. No final, a resposta foi positiva e nos deum um encontro na Santa Marta na tarde do sábado, 24 de setembro passado.

Foi um dia realmente agradável por causa da temperatura e luminosidade do céu. Atravessando o trânsito de Roma de carro com Pe. Spadaro, estava ansioso, mas feliz. Chegamos a Santa Marta 15 minutos antes do previsto. Pensei que devíamos esperar e ao invés fomos logo convidados a subir ao andar onde o Papa tem o seus aposentos. Quando o elevador se abriu, vi um guarda-suíço que nos saudou com cortesia. Ouvi a voz do Papa falar cordialmente com outras pessoas em espanhol, mas não o vi. A um certo ponto ele apareceu com duas pessoas, conversando amigavelmente. Nos saudou com um sorriso indicando-nos de entrar em seus aposentos: ele voltaria logo.

Fiquei surpreso com esta simples e calorosa familiaridade o acolhimento. Foi-nos dito na portaria que o Papa teve um dia intenso, e eu pensei que estivesse cansado no final do dia. Ao invés disso, fiquei surpreso em vê-lo tão cheio de energia e relaxado.

O Papa entrou na sala e nos convidou a sentar onde preferíamos. Sentei-me numa poltrona e Pe. Spadaro diante de mim. O Papa se sentou no sofá no meio das duas poltronas. Apresentei-me no meu italiano pobre, mas suficiente para entender e dialogar com simplicidade. Depois de algumas brincadeiras do Papa acendemos os gravadores e iniciamos a conversa.

Pe. Spadaro traduziu do inglês algumas perguntas que eu queria fazer ao Papa e que eu tinha preparado, mas depois da conversa entre nós três fluiu naturalmente, numa atmosfera amigável e sem distâncias artificiais. Sobretudo porque foi claro e direto, sem rodeios e sem que a atmosfera típica dos encontros com os grandes líderes ou pessoas a respeito. Não tenho nenhuma dúvida de que o Papa Francisco ama conversar, comunicar com os outros. Às vezes toma tempo para refletir antes de responder, e suas respostas sempre transmitem uma sensação de envolvimento sério, mas não pesada ou triste. Na verdade, durante a nossa visita, ele deu várias vezes sinais de seu humorismo.

Entrevista

Santo Padre, em 31 de outubro o senhor visitará Lund e Malmö para participar da Comemoração Ecumênica dos 500 anos da Reforma, organizada pela Federação Luterana Mundial e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Quais são as suas esperanças e suas expectativas para este evento histórico?

“Digo somente uma palavra: aproximar-se. A minha esperança e expectativa são as de me aproximar mais de meus irmãos e irmãs. A proximidade faz bem a todos. A distância ao invés nos faz adoecer. Quando nos distanciamos, nos fechamos dentro de nós mesmos e nos tornamos nômades, incapazes de nos encontrar. Nos deixamos levar pelo medo. É preciso aprender a se transcender para encontrar os outros. Se não o fazemos nós cristãos nos adoecemos de divisão. A minha expectativa é a de conseguir fazer um passo de proximidade, de estar próximo aos meus irmãos e irmãs que vivem na Suécia.”

Na Argentina os luteranos formam uma comunidade restrita. O senhor teve modo de se encontrar com eles no passado?

“Sim, bastante. Lembro-me da primeira vez que fui a uma igreja luterana: foi precisamente em sua sede na Argentina, na Calle Esmeralda, Buenos Aires. Eu tinha 17 anos. Lembro-me bem daquele  dia. Casou-se um amigo meu de trabalho, Axel Bachmann. Ele era o tio da teóloga luterana Mercedes Garcia Bachmann. E a mãe da Mercedes, Ingrid, trabalhava no laboratório onde eu trabalhava. Esta foi a primeira vez que participei de uma celebração luterana. A segunda vez, foi uma experiência mais forte. Nós jesuítas temos a Faculdade de Teologia em San Miguel, onde ensinei. Ali perto, a menos de 10 km de distância, havia a Faculdade de Teologia Luterana. O reitor era um húngaro, Leskó Béla, realmente um bom homem. Com ele tinha contatos muito cordiais. Eu era professor e tinha a cátedra de Teologia espiritual. Convidei o professor de Teologia espiritual daquela Faculdade, um sueco, Anders Ruuth, para dar junto comigo aulas de espiritualidade. Lembro-me que aquele era um momento muito difícil para a minha alma. Eu tinha muita confiança nele e abri o meu coração. Ele me ajudou muito naquele momento. Depois foi enviado ao Brasil, conhecia bem também o português, e depois voltou para a Suécia. Ali publicou as suas teses de habilitação sobre “A Igreja universal do Reino de Deus”,        que surgiu no Brasil no final dos anos setenta. Era uma tese crítica. Ele a escreveu em sueco, mas tinha um capítulo em inglês. Ele me enviou e eu li aquele capítulo em inglês: era uma pérola. Depois, passou o tempo. Enquanto isso, me tornei bispo auxiliar de Buenos Aires. Um dia foi me visitar na casa episcopal o então arcebispo primaz de Uppsala. O Cardeal Quarracino não estava. Ele me convidou para ir à missa deles na Calle Azopardo, na Iglesia Nórdica de Buenos Aires, que antes era chamada de «Igreja sueca». A ele eu falei sobre Anders Ruuth, que depois voltou mais uma vez a Argentina para celebrar um matrimônio. Naquela ocasião nos revimos, e foi a última: um de seus dois filhos, o músico, o outro era médico, um dia me telefonou para dizer que ele tinha morrido.

Outro capítulo da minha relação com os luteranos diz respeito à Igreja da Dinamarca. Tive um bom relacionamento com o pastor de então, Albert Andersen, que agora se encontra nos Estados Unidos. Ele me convidou duas vezes para fazer uma pregação. A primeira era num contexto litúrgico. Naquela ocasião foi muito delicado: para evitar recriar constrangimento acerca da participação na comunhão, naquele dia não celebrou a missa, mas um batizado. Sucessivamente, me convidou para fazer uma conferencia para os jovens. Lembro-me que com ele tive uma discussão muito forte à distância, quando ele estava já nos Estados Unidos. O pastor me repreendeu muito por causa do que eu disse sobre uma lei relativa aos problemas religiosos na Argentina. Mas digo que me repreendeu com honestidade e sinceridade, como um amigo verdadeiro. Quando voltou a Buenos Aires, fui pedir-lhe desculpas porque de fato a maneira como eu me expressei naquele caso foi um pouco ofensiva. Depois, eu tive uma grande proximidade com o Pastor David Calvo, argentino, da Igreja Evangélica Luterana Unida. Ele também era uma pessoa boa.

Lembro-me também que para o “Dia da Bíblia” que em Buenos Aires se celebrava no final de setembro, voltei à primeira igreja em que fui quando jovem, na Calle Esmeralda. Ali eu encontrei Mercedes García Bachmann. Tivemos uma conversa. Aquele foi o último encontro institucional que tive com os luteranos quando era arcebispo de Buenos Aires. Depois, eu continuei a me relacionar com amigos luteranos no âmbito pessoal. Mas o homem que fez muito bem à minha vida foi Anders Ruuth: penso nele com muito afeto e reconhecimento. Quando veio me encontrar aqui a  Arcebispa primaz da Igreja da Suécia, falamos sobre aquela amizade entre nós dois. Recordo-me bem quando a Arcebispa Antje Jackelén veio aqui ao Vaticano, em maio de 2015, em visita oficial: fez um grande discurso. Eu a encontrei sucessivamente também por ocasião da canonização de Maria Elisabeth Hesselblad. Então eu pude saudar também o marido: são pessoas realmente amáveis. Depois, como Papa fui pregar na Igreja Luterana de Roma. Fiquei muito impressionado com as perguntas que me foram feitas então: a do menino e de uma senhora sobre a intercomunhão. Perguntas bonitas e profundas. O pastor daquela igreja é realmente bom!

Nos diálogos ecumênicos as diferentes comunidades deveriam tentar se enriquecer reciprocamente com o melhor de suas tradições. O que a Igreja Católica poderia aprender da tradição luterana?

Penso em duas palavras: «reforma» e «Escritura». Vou me explicar. A primeira é a palavra «reforma». No início, o de Lutero foi um gesto de reforma num momento difícil para a Igreja. Lutero queria curar uma situação complexa. Depois, este gesto, também por causa de situações políticas, pensemos também na cuius regio eius religio, se tornou um “estado” de separação, e não um processo de reforma de toda a Igreja, que era fundamental, porque a Igreja é semper reformanda. A segunda palavra é “Escritura”, a Palavra de Deus. Lutero fez um grande passo para colocar a Palavra de Deus nas mãos do povo. Reforma e Escritura são as duas coisas fundamentais que podemos aprofundar, olhando a tradição luterana. Penso nas Congregações Gerais antes do Conclave e quanto o pedido de uma reforma tenha sido vivo e presente em nossas discussões.”

Somente uma vez ante do senhor, um Papa visitou a Suécia, Joao Paulo II, em 1989. Aquele era um tempo de entusiasmo ecumênico e desejo profundo de unidade entre católicos e luteranos. Desde então, o movimento ecumênico parece ter perdido o vigor e novos obstáculos surgiram. Como deveria ser geridos estes obstáculos? Quais são, a seu ver, os meios melhores para promover a unidade dos cristãos?

Claramente cabe aos teólogos continuar a dialogar e estudar os problemas: sobre isso não tenho dúvidas. O diálogo teológico deve prosseguir, porque é um caminho a ser percorrido. Penso nos resultados que nesta estrada foram alcançados com o grande documento ecumênico sobre a justificação: foi um grande passo positivo. Certo, depois deste passo imagino que não será fácil ir adiante por causa das várias capacidades de compreender algumas questões teológicas. Perguntei ao Patriarca Bartolomeu se era verdade aquilo que se fala do Patriarca Atenágoras, ou seja, que teria dito a Paulo VI: “Nós vamos em frente e coloquemos os teólogos numa ilha para discutirem entre eles”. Me disse que é uma piada verdadeira. Mas sim, o diálogo teológico deve continuar, mesmo se não será fácil.

Pessoalmente, acredito que se deve mover o entusiasmo para a oração comum e as obras de misericórdia, ou seja, o trabalho feito em conjunto no sentido de ajudar os doentes, os pobres, os encarcerados. Fazer algo juntos é uma forma elevada e eficaz de diálogo. Penso também na educação. É importante trabalhar juntos e não maneira sectária. Devemos ter claro um critério em qualquer caso: fazer proselitismo no campo eclesial é pecado. Bento XVI nos disse que a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração. O proselitismo é um comportamento pecaminoso. Seria como transformar a Igreja numa organização. Falar, rezar e trabalhar juntos: este é o caminho que devemos fazer. Veja, na unidade aquele que não erra nunca é o inimigo, o demônio. Quando os cristãos são perseguidos e mortos, são por serem cristãos e não porque são luteranos, calvinistas, anglicanos, católicos ou ortodoxos. Existe um ecumenismo de sangue.

Recordo-me de um episódio que vivi com o pároco da paróquia de Sankt Joseph em Wandsbek, Hamburgo. Ele levava adiante a causa dos mártires guilhotinados por Hitler, porque ensinavam o catecismo. Foram guilhotinados um atrás do outro. Depois dos dois primeiros, que eram católicos, foi morto um pastor luterano condenado pelo mesmo motivo. O sangue dos três se misturou. O pároco me disse que para ele era impossível continuar a causa de beatificação dos dois católicos sem inserir o luterano; o sangue deles foi misturado! Mas lembro-me também da homilia do Papa Paulo VI em Uganda, em 1964, que mencionava juntos, unidos, os mártires católicos e anglicanos.

Tive este pensamento quando eu também visitei Uganda. Isto acontece também em nossos dias: os ortodoxos, os mártires coptas mortos na Líbia. É o ecumenismo de sangue. Portanto, rezar juntos, trabalhar juntos e compreender o ecumenismo de sangue.

Uma das causas maiores de inquietude de nosso tempo é a difusão do terrorismo revestido de termos religiosos. O encontro de Assis acentuou também a importância do diálogo inter-religioso. Como o senhor viveu isso?

Havia todas as religiões que têm contato com Santo Egídio. Encontrei aqueles que Santo Egídio contatou: eu não escolhi quem encontrar. Mas eram muitos, e o encontro foi muito respeitoso e sem sincretismo. Todos juntos falamos de paz e pedimos a paz. Dissemos juntos palavras fortes para a paz que as religiões realmente querem. Não se pode fazer guerra em nome da religião, de Deus: é uma blasfêmia, é satânico. Hoje, recebi cerca de 400 pessoas que estavam em Nice e saudei as vítimas, os feridos, pessoas que perderam esposas ou maridos ou filhos. Aquele louco que cometeu a tragédia a fez pensando de fazer em nome de Deus. Pobre homem! Era um desiquilibrado! Com caridade podemos dizer que era um desiquilibrado que procurou usar uma justificação em nome e Deus. Por isso, o encontro em Assis é muito importante. “

 Mas o senhor recentemente falou também de outra forma de terrorismo, o das fofocas. Em que sentido e como ele pode ser vencido?

Sim, existe o terrorismo interno e subterrâneo que é um vício difícil de extirpar. Descrevo o vício das murmurações e das fofocas como uma forma de terrorismo: é uma forma de violência profunda que todos temos à disposição na alma e que requer uma conversão profunda. O problema desse terrorismo é que todos podemos colocá-lo em prática. Toda pessoa é capaz de se tornar terrorista usando simplesmente a língua. Não falo de brigas que se fazem abertamente, como as guerras. Falo de um terrorismo furtivo, escondido, que se faz jogando as palavras como "bombas" e que faz muito mal. A raiz desse terrorismo está no pecado original, e é uma forma de crime. É uma forma de ganhar espaço para si destruindo o outro. É necessário, portanto, uma profunda conversão do coração para vencer esta tentação, e é preciso se examinar muito neste ponto de vista. A espada mata muitas pessoas, porém mata muito mais a língua, diz o apóstolo Tiago no terceiro capítulo de sua carta. A língua é um pequeno membro, mas pode desenvolver um fogo do mal e incendiar toda a nossa vida. A língua pode se encher de veneno mortal. Este terrorismo é difícil de domar.

A religião pode ser uma bênção, mas também uma maldição. Os meios de comunicação muitas vezes trazem notícias de conflitos entre grupos religiosos no mundo. Algumas afirmam que o mundo seria mais pacífico se não houvesse religião. O que responde a esta crítica?

As idolatrias que estão na base de uma religião, não a religião! Existem idolatrias ligadas à religião: a idolatria do dinheiro, das inimizades, do espaço superior ao tempo, da concupiscência da territorialidade do espaço. Existe uma idolatria da conquista do espaço, do domínio, que ataca as religiões como um vírus maligno. A idolatria é uma religião falsa, é uma religiosidade errada. Eu a chamo “uma transcendência imanente”, ou seja, uma contradição. Ao invés, as religiões verdadeiras são o desenvolvimento da capacidade que tem um homem de se transcender rumo ao absoluto. O fenômeno religioso é transcendente e tem a ver com a verdade, a beleza, a bondade e a unidade. Se não há esta abertura, não há transcendência, não há religião verdadeira, existe idolatria. A abertura à transcendência não pode absolutamente ser causa de terrorismo, porque esta abertura está sempre unida à busca da verdade, da beleza, da bondade e da unidade.

O senhor muitas vezes falou em termos muito claros sobre situação terrível dos cristãos em algumas áreas do Oriente Médio. Existe ainda esperança por um desenvolvimento mais pacífico e humano para os cristãos naquela área?

Acredito que o Senhor não deixará o seu povo a si mesmo, não o abandonará. Quando lemos sobres as provações duras do povo de Israel na Bíblia fazemos memória as provações dos mártires, constatamos como o Senhor sempre veio em auxílio ao seu povo. Recordamos no Antigo Testamento a morte dos sete filhos com a sua mãe no Livro dos Macabeus ou o martírio de Eleazar. Certamente, o martírio é uma das formas da vida cristã. Recordamos São Policarpo e a carta à Igreja de Esmirna que nos fala sobre as circunstâncias de sua prisão e sua morte. Sim, neste momento o Oriente Médio é a terra dos mártires. Podemos sem dúvida falar de uma Síria mártir e martirizada. Quero citar uma recordação pessoa que ficou no coração: em Lesbos encontrei um pai com duas crianças. Ele me disse que era muito apaixonado por sua esposa. Ele era muçulmano e ela cristã. Quando chegaram os terroristas, quiseram que ela tirasse a cruz, mas ela não quis e eles a degolaram diante de seu marido e seus filhos. Ele me continuou dizendo: “Eu a amo tanto, a amo tanto”. Sim, ela é uma mártir, mas o cristão sabe que existe esperança. O sangue dos mártires é a semente dos cristãos: sabemos desde sempre.

O senhor é o primeiro Papa não europeu há mais de 1.200 anos, e muitas vezes salientou a vida da Igreja em regiões consideradas “periféricas” do mundo. Onde, segundo o senhor, a Igreja católica terá as suas comunidades mais vivas nos próximos 20 anos? E de que modo as Igrejas na Europa poderão contribuir para o catolicismo do futuro?

Esta é uma pergunta ligada ao espaço, à geografia. Eu tenho alergia de falar de espaços, mas digo sempre que das periferias se veem melhor as coisas do que do centro. A vivacidade das comunidades eclesiais não depende do espaço, da geografia, mas do espírito. É verdade que as Igrejas jovens têm um espírito mais fresco, e do outro lado, existem as Igrejas envelhecidas, Igrejas um pouco adormecidas, que parecem ser interessadas somente em conservar o seu espaço. Nestes casos, não digo que falta o espírito: existe sim, mas está fechado numa estrutura, numa maneira rígida, temorosa de perder o espaço. Nas Igrejas de alguns países se vê próprio que falta o frescor. Neste sentido, o frescor das periferias dá mais espaço ao espírito. É preciso evitar os efeitos de um mal envelhecimento das Igrejas. Faz bem reler o capítulo terceiro do Profeta Joel, ali onde diz que os idosos terão sonhos e que os jovens terão visões. Nos sonhos dos idosos existe a possibilidade de que os nossos jovens tenham novas visões, tenham novamente um futuro. Ao invés, as Igrejas às vezes são fechadas em programas, em programações. Eu admito: sei que são necessários, mas eu faço muita fadiga a colocar muita esperança nos organogramas. O espírito está pronto a impulsionar, a ir adiante. E o espírito se encontra na capacidade de sonhar e na capacidade de profetizar. Isto para mim é um desafio para toda a Igreja. E a união entre idosos e jovens é para mim o desafio do momento para a Igreja, o desafio para a sua capacidade de frescor. Por isso, em Cracóvia durante a Jornada Mundial da Juventude, recomendei aos jovens de conversar com os avós. A Igreja jovem rejuvenesce mais quando os jovens conversam com os idosos e quando os idosos sabem sonhar coisas grandes, porque isso faz com que os jovens profetizem. Se os jovens não profetizam falta respiro para a Igreja.

A sua visita à Suécia tocará um dos países mais secularizados no mundo. Boa parte de sua população não acredita em Deus, e a religião tem um papel um pouco modesto na vida pública e na sociedade. Segundo o Senhor, o que perde uma pessoa que não acredita em Deus?

“Não se trata de perder alguma coisa. Trata-se de não desenvolver  adequadamente uma capacidade de transcendência. O caminho da transcendência dá lugar a Deus, e nisto são importantes também os pequenos passos, até mesmo o do ateu a ser agnóstico. O problema para mim é quando se fecha e se considera a própria vida perfeita em si mesma, portanto, fechada em si mesma, sem necessidade de uma transcendência radical. Mas para abrir aos outros a transcendência não é necessário fazer muitos discursos e palavras. Quem vive a transcendência é visível: é um testemunho vivo. No almoço que tive em Cracóvia com alguns jovens, um deles me perguntou: “O que deve dizer a um mio amigo que não acredita em Deus? Como faço para convertê-lo? Eu lhe respondi: “A última coisa que deve fazer é dizer alguma coisa. Aja! Vivi! Depois, vendo a sua vida, o seu testemunho, talvez o outro irá perguntar porque você vive assim. Estou convencido de que quem não crer ou não procura Deus talvez não sentiu a inquietude de um testemunho. Isso está muito ligado ao bem-estar. A inquietude se encontra dificilmente no bem-estar. Por isso, acredito que contra o ateísmo, ou seja, contra o fechamento à transcendência, valem realmente, somente a oração e o testemunho.”

Os católicos na Suécia são uma pequena minoria, e na maior parte composta por imigrantes de várias nações do mundo. O senhor se encontrará com alguns deles celebrando a Missa em Malmö em 1° de Novembro. Como vê o papel dos católicos numa cultura como a sueca?

“Vejo uma convivência saudável, onde cada um pode viver sua fé e expressar o seu testemunho, vivendo num espírito aberto e ecumênico. Não se pode ser católicos e sectários. Devemos nos esforçar para estar com os outros. "Católico" e "sectário" são duas palavras que se contradizem. É por isso que no início eu não previa celebrar uma missa para os católicos nesta viagem: Eu queria insistir num testemunho ecumênico. Depois eu refleti bem sobre o meu papel de pastor de um rebanho católico que chegará também dos países vizinhos, como a Noruega e a Dinamarca. Então, respondendo ao pedido fervoroso da comunidade católica, decidi celebrar uma missa, aumentando a viagem de um dia. Na verdade eu queria que a missa não fosse celebrada no mesmo dia e não no mesmo lugar do encontro ecumênico para evitar confundir os planos. O encontro ecumênico deve ser preservado em seu profundo significado, segundo um espírito de unidade, que é o meu. Isto criou problemas de organização, eu sei, porque eu vou estarei na Suécia também no Dia de Todos os Santos, que aqui em Roma é importante. Mas, a fim de evitar mal-entendidos, eu quis que fosse assim.”

O senhor é um jesuíta. Desde 1879, os jesuítas desempenharam suas atividades na Suécia nas paróquias, com exercícios espirituais, com a revista «Signum», e nos últimos 15 anos, graças ao Instituto universitário «Newman». Quais compromissos e quais valores deveria caracterizar o apostolado dos jesuítas hoje neste país?

Acredito que a primeira tarefa dos jesuítas na Suécia seja a de favorecer de toda forma o diálogo com aqueles que vivem na sociedade secularizada e com os não crentes: falar, partilhar, compreender e estar próximo. Depois, claramente é preciso favorecer o diálogo ecumênico. O modelo para os jesuítas suecos deve ser São Pedro Favre, que estava sempre a caminho e que foi guiado por um espírito bom, aberto. Os jesuítas não têm uma estrutura quieta. É preciso ter o coração inquieto e ter estruturas, sim, mas inquietas.

Quem é Jesus para Jorge Mario Bergoglio?

Jesus para mim é Aquele que me olhou com misericórdia e me salvou. A minha relação com ele tem sempre este princípio e fundamento. Jesus deu sentido à minha vida aqui na terra, e esperança por uma vida futura. Com a misericórdia me olhou, me pegou, me colocou no caminho... E me deu uma graça importante: a grana da vergonha. A minha vida espiritual está toda contida no capítulo 16 de Ezequiel. Especialmente nos versículos finais, quando o Senhor revela que iria estabelecer a sua aliança com Israel dizendo-lhe: “Saberás que eu sou o Senhor, a fim de que te lembres e te cubras de vergonha, e na tua humilhação já não tenhas disposição de falar, quando eu tiver perdoado tudo quanto fizeste”. A vergonha é positiva: nos faz agir, mas nos faz entender qual é o nosso lugar, quem somos, impedindo todo orgulho e vaidade.

Uma palavra final, Santo Padre, sobre esta viagem à Suécia

O que me vem naturalmente para acrescentar agora é simples: ir, caminhar juntos! Não permanecer fechados em perspectivas rígidas, porque nelas não há possibilidade de reforma.

 * * *

O Papa, Pe. Spadaro e eu passamos juntos cerca de uma hora e meia. No final, Francisco nos acompanhou até o elevador. Ele nos recomendou de rezar por ele. As portas se fecharam enquanto ele nos saudada com a mão e com um sorriso radiante que nunca me esquecerei.

Do lado de fora já estava escuro. A cúpula de São Pedro, iluminada, revelava o seu esplendor enquanto entrávamos no carro para voltar em tempo para o jantar na comunidade de La Civiltà Cattolica.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Papa aos líderes cristãos do Sudão do Sul: servir a população na unidade

O Papa Francisco recebeu em audiência no Palácio Apostólico na manhã desta quinta-feira os principais líderes religiosos do Sudão do Sul: Dom Paulino Lukudu Loro, Arcebispo de Juba, o Rev. Daniel Deng Bul Yak, Arcebispo da Província da Igreja Episcopal do Sudão do Sul e o Rev. Peter Gai Lual Marrow, Moderador da Igreja Presbiteriana do Sudão do Sul.

No contexto das tensões que dividem a população e destroem a convivência no país, foi ressaltada no encontro a boa e profícua colaboração entre as Igrejas cristãs, que desejam dar a própria contribuição para promover o bem comum, tutelar a dignidade da pessoa, proteger os indefesos e realizar iniciativas de diálogo e de reconciliação.

À luz do Ano da Misericórdia, foi sublinhado que a experiência fundamental do perdão e da acolhida do outro é a linha mestra para a construção da paz e do desenvolvimento humano e social.

A este respeito, constatou-se que as várias Igrejas estão empenhadas, em espírito de comunhão e de unidade, no serviço à população, promovendo a difusão de uma cultura do encontro e da partilha.

Por fim, foi reiterada por parte de todos a disponibilidade em caminhar juntos e em trabalhar com renovada esperança e com confiança recíproca, na convicção de que, com base nos valores positivos inerentes às próprias tradições religiosas, se possam mostrar os caminhos para responder de maneira efetiva às aspirações profundas daquela população, que anseia urgentemente a uma vida segura e a um futuro melhor.



(from Vatican Radio)

Papa: Deus chora pela humanidade que não entende Sua paz-amor

Deus chora hoje diante das calamidades naturais, das guerras que eclodem para “adorar ao deus dinheiro”, das crianças assassinadas.

Esta foi uma das reflexões do Papa na missa da manhã desta quinta-feira (27/10), na Casa Santa Marta.

“Deus chora hoje”, ressaltou Francisco, pela humanidade que não entende “a paz que Ele nos oferece, a paz do amor”.

No Evangelho do dia, Jesus chama Herodes de “raposa”, depois que alguns fariseus disseram que ele o queria matar. E fala aquilo que acontecerá: “se prepara à morte”. Jesus então se dirige à “Jerusalém fechada”, que mata os profetas que a ela foram enviados.

Pranto

A seguir, Jesus muda o tom, destaca o Papa, e “começa a falar com ternura”, a “ternura de Deus”. Jesus “olha para o seu povo, olha para a cidade de Jerusalém”. Naquele dia “chorou sobre Jerusalém”.

“Aquele choro de Jesus – afirma o Papa – não é o choro de um amigo diante da tumba de Lázaro, não: aquele é o choro de um amigo diante da morte de outro. Este é o choro de pai, de um pai que chora: é Deus Pai que chora aqui na pessoa de Jesus.

“Quantas vezes tive que reunir os teus filhos como a galinha acolhe seus pintinhos sob as asas e vocês não quiseram! Alguém disse que Deus se fez homem para poder chorar, chorar aquilo que fizeram a seus filhos”.

Pai que chora

E, enquanto o choro diante da tumba de Lázaro é aquele do amigo, “este é o choro do Pai”, diz Francisco. E o pensamento do Papa vai ao Pai do filho pródigo, quando o filho lhe pede a herança e vai embora.

“Aquele pai está seguro, não procurou os vizinhos para dizer: “Olha o que me aconteceu! O que este pobre desgraçado me fez! Mas eu amaldiçoo este filho...”. Não, não fez isso. Tenho certeza, talvez tenha ido chorar sozinho”.

E o Papa explica.

“Por que o Evangelho não diz isso, diz quando o filho o viu de longe: isto significa que o pai sempre subia até a varanda de onde se via o caminho para ver se o filho retornava. E um pai que faz isso é um pai que vive no pranto, esperando que o filho volte. Este é o choro de Deus Pai. E com este choro, o Pai recria no seu Filho toda a criação”.

Paz do amor

Deste ponto, o Papa refletiu também sobre o momento em que Jesus com a cruz vai ao Calvário: às mulheres que choravam, diz para que não chorem por Ele, mas por seus próprios filhos. Portanto, um “choro de pai e de mãe que Deus também hoje chora”. 

“Também hoje diante das calamidades, das guerras que eclodem para ‘adorar ao deus dinheiro’, dos tantos inocentes mortos pelas bombas lançadas pelos adoradores do ídolo dinheiro, também o Pai chora, também hoje diz: ‘Jerusalém, Jerusalém, filhos meus, o que estão fazendo?’ E o diz às pobres vítimas e também aos traficantes de armas e a todos aqueles que vendem a vida das pessoas. Nos fará bem pensar que o nosso Deus Pai se fez homem para poder chorar; e nos fará bem pensar que nosso Deus Pai hoje chora: chora por esta humanidade que não consegue entender a paz que Ele nos oferece, a paz do amor”.

(dd/rb/mj)

(from Vatican Radio)

Papa Francisco: desconcertante cancelar diferenças sexuais

A beleza do plano de Deus para o casamento e a misericórdia para com as famílias feridas, os desafios das novas tecnologias e a desconcertante ideologia de gênero: estes os temas abordados pelo Papa Francisco em seu discurso à Comunidade Acadêmica do Pontifício Instituto “João Paulo II” para os Estudos sobre o Matrimônio e Família por ocasião do início do novo Ano Letivo.

Crise familiar: prevalece cada vez mais o “eu” sobre o “nós”

Hoje “os laços conjugais e familiares são de muitos modos colocados à prova”: o Papa parte de uma reflexão sobre a cultura atual “que exalta o individualismo narcisista, uma concepção da liberdade desligada da responsabilidade pelo outro, o crescimento da indiferença para com o bem comum, o impor-se de ideologias que agridem diretamente o projeto familiar, como também o crescimento da pobreza que ameaça o futuro de tantas famílias”.

“Depois, há as questões abertas pelo desenvolvimento de novas tecnologias - sublinha -, que tornam possíveis práticas, por vezes, em conflito com a verdadeira dignidade da vida humana”. Prevalece cada vez mais o “eu” sobre o “nós”, o indivíduo sobre a sociedade: “É um êxito que contradiz o plano de Deus, que confiou o mundo e a história à aliança do homem e da mulher”.

Ideologia de gênero: desconcertante

Sem mencionar diretamente a ideologia de gênero, o Papa fala da necessidade de “reconhecer a diferença como uma riqueza e uma promessa, não como um motivo de sujeição e de prevaricação. O reconhecimento da dignidade do homem e da mulher leva a uma correta valorização de seu relacionamento recíproco. Como podemos conhecer profundamente a humanidade concreta da qual somos feitos sem aprendê-la através desta diferença?”:

“É impossível negar a contribuição da cultura moderna à redescoberta da dignidade da diferença sexual. Por isso, é muito desconcertante constatar que agora esta cultura apareça como bloqueada por uma tendência a cancelar a diferença, em vez de resolver os problemas que a mortificam”.

Na verdade - continuou o Papa -, “quando as coisas estão indo bem entre homem e mulher, também o mundo e a história vão bem. Caso contrário, o mundo se torna inóspito e a história pára”.

Beleza do casamento e misericórdia para as famílias feridas

O testemunho da “beleza da experiência cristã da família” - destaca Francisco -, deverá inspirar-nos ainda mais profundamente; ao mesmo tempo, é necessário ter “grande compaixão e misericórdia pela vulnerabilidade e falibilidade do amor entre os seres humanos”, mas sem resignar-se à falência humana, para apoiar o resgate do plano de Deus para a família, “ícone da aliança de Deus com toda a família humana”:

De fato, é correto reconhecer que, às vezes, “apresentamos um ideal teológico do matrimônio demasiado abstrato, construído quase artificialmente, distante da situação concreta e das possibilidades efetivas das famílias tais como são. Esta excessiva idealização, sobretudo quando não despertamos a confiança na graça, não fez com que o matrimônio fosse mais desejável e atraente; muito pelo contrário”.

Proximidade da Igreja

Os dois Sínodos sobre a família – observou ainda o Papa –, “manifestaram a necessidade de ampliar a compreensão e o cuidado da Igreja por este mistério do amor humano no qual o amor de Deus por todos se sedimenta”. Neste sentido, “o tema pastoral de hoje não é apenas o da distância de muitos do ideal e da prática da verdade cristã do matrimônio e da família; mais decisivo ainda se torna o tema da ‘proximidade’ da Igreja”:

“Proximidade às novas gerações de cônjuges, para que a bênção de seu relacionamento os convença sempre mais e os acompanhe, e proximidade às situações de fraqueza humana, para que a graça possa resgatá-los, reanimá-los e curá-los. O indissolúvel vínculo da Igreja com seus filhos é o sinal fiel mais transparente do amor fiel e misericordioso de Deus”.

Teologia e pastoral caminham juntos

O Papa Francisco recorda, por fim, que “a teologia e pastoral caminham juntos”: “Não nos esqueçamos de que também os bons teólogos, como os bons pastores, têm o cheiro do povo e das estradas e, com sua reflexão, derramam óleo e vinho nas feridas dos homens”:

Uma doutrina teológica que não se deixa orientar e plasmar pela finalidade evangelizadora e pelo cuidado pastoral da Igreja é também impensável para uma pastoral da Igreja que não saiba fazer tesouro da revelação e da sua tradição, voltada a uma melhor inteligência e transmissão da fé”. (SP)

(from Vatican Radio)

Papa: reforçar compromisso para eliminar tráfico de pessoas

O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (27/), os membros do “Grupo Santa Marta” que participou do encontro realizado, no Vaticano, sobre o tráfico de pessoas.

“Reforçar o compromisso para eliminar a chaga social do tráfico de pessoas”, disse o Pontífice em seu discurso às autoridades eclesiásticas e civis do Grupo Santa Marta, que dá uma contribuição importante na luta contra esta nova forma de escravidão. 

O Papa sublinhou com amargura que as vítimas “são homens e mulheres, muitas vezes menores, explorados, aproveitando de sua pobreza e marginalização”.

“Serve um esforço mirado, eficaz e constante, tanto para eliminar as causas deste fenômeno complexo, quanto para encontrar, assistir e acompanhar as pessoas que caem nas armadilhas do tráfico.”

“O número destas vítimas cresce, infelizmente, a cada ano, afirmam as organizações internacionais. Aos indefesos são roubadas a dignidade, a integridade física e psíquica, e até mesmo a vida”, disse ainda o Pontífice.
  “Queridos amigos, lhes agradeço e encorajo a prosseguir neste compromisso. O Senhor recompensará o que for feito a estes pequenos da sociedade de hoje. Ele disse: ‘Estava com fome ... tive sede e você me ajudou; hoje também poderia dizer: "Eu fui abusado, explorado e escravizado, e você me socorreu.”

(MJ)

(from Vatican Radio)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

"Decisão corajosa" do Papa ir à Suécia, diz Secretário da FLM

A decisão do Papa Francisco de ir a Lund “para celebrar junto conosco o aniversário da Reforma” foi uma escolha “corajosa”. Disto está convencido o Secretário Geral da Federação Luterana Mundial Martin Junge, que nesta entrevista concedida a Antonio Carneiro, do L’Osservatore Romano, fala das expectativas ecumênicas da viagem do Papa à Suécia, a ser realizada de 31 de outubro a 1º de novembro.
P: O que tem para ser celebrado neste 500 anos após a Reforma?
“Ela deu frutos para a Igreja no seu conjunto: a sua ênfase em Cristo como salvador, a tradução da Bíblia nas línguas faladas, a fé como dom. Além disto, gostaria de recordar os cinquenta anos do diálogo entre católicos e luteranos a nível global, que celebraremos em 2017. O diálogo, iniciado após o Concílio Vaticano II, ofereceu um significativo impulso na busca da unidade entre as comunidades do mundo cristão. Não podemos celebrar, pelo contrário, as divisões: como povo que lê a Bíblia, sabemos o quanto Jesus rezou pela unidade entre os seus discípulos. Mas a Reforma, mesmo não querendo, trouxe divisões. Devemos reconhecer também a violência e as guerras de religiões que se seguiram à Reforma, quando as disputas teológicas eram alinhadas com os conflitos políticos e econômicos da época. Não existe maneira de banalizar tal violência ou de justificá-la. Podemos somente arrepender-nos por tudo isto”.
P: Atualmente, como são as relações entre a Igreja Luterana e a Igreja Católica na Suécia?
“Existem muitas conexões em diversos níveis diferentes: a cooperação entre as paróquias, plataformas e processos de diálogo também a nível nacional, com a participação das duas realidades no Conselho sueco de Igrejas.  Somos gratos à Igreja Luterana da Suécia e à Diocese Católica de Estocolmo pela sua vontade de acolher-nos”.
P: Quais foram os progressos mais importantes do diálogo entre luteranos e católicos durante os Pontificados de Bento XVI e Francisco?
“Houve um diálogo intenso, que também viveu grandes discussões, nunca degeneradas em confrontos. É uma troca construtiva em busca da verdade, enquanto se busca compreender-se um ao outro. Eis porque hoje a comemoração comum é possível. Já antes destes dois Pontificados, a “Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação” foi assinada quer por católicos como por luteranos em 1999, no tempo de João Paulo II. Mais tarde, em 2013, durante o papado de Bento XVI, teve o documento “Do Conflito à Comunhão”. E agora Francisco tomou a corajosa decisão de ir à Lund para celebrar junto conosco o aniversário da Reforma. Esta viagem e os objetivos estabelecidos deixam claro: a celebração comum não vem do nada. É construída com base em um sólido processo ecumênico que nos levou a estar muito mais próximos”.
P: O que significa para os luteranos receber uma visita papal?
“Diversos Pontífices visitaram comunidades luteranas nos últimos decênios. Esta vez, no entanto, o Papa não fará somente uma visita, mas irá compartilhar a celebração comum com o Presidente da Federação Luterana Mundial, o Bispo Munib Younan, e também comigo, como Secretário Geral da mesma. E isto tem um grande significado. O fato de que o Papa compartilhe a comemoração comum transmitirá uma forte mensagem sobre o importante processo ecumênico ocorrido nestes últimos decênios e sobre o decidido empenho em seguir em frente juntos. Enquanto recordamos o passado, queremos olhar em frente, para um futuro comum, naquilo que Deus continua a pedir à Igreja”.
P: A que tipo de reconciliação se deseja chegar?
“Com a Declaração de 1999 chegamos à conclusão de que as condenações, formuladas segundo as disputas teológicas nascidas no século XVI, não têm mais razão de existir. Com o Documento “Do Conflito à Comunhão” conseguimos oferecer uma narrativa comum sobre os acontecimentos da Reforma, sobre questões teológicas em jogo e sobre como estas problemáticas evoluíram ulteriormente. Algumas destas problemáticas nos guiaram para alcançarmos uma comum compreensão. Outras, em particular a compreensão da Igreja, o ministério e a Eucaristia, requerem um maior esforço. Com base nesta fundamental convergência e no contexto de um mundo que sofre por conflitos, fragmentações e falta de comunicação, não posso que não pensar em um tempo melhor para os luteranos e os católicos, que juntos, declaram publicamente a sua determinação de separar-se de um passado tão fortemente marcado pelo conflito e lançar-se em um futuro que, acreditamos, será comum. Este importante passo deve ser ainda seguido por outros, que no final deveriam guiar-nos em receber de forma comum a presença reconciliadora de Cristo por meio do pão e do vinho ao redor da ceia à qual somos convidados. Acredito firmemente que a celebração comum será um grande encorajamento para buscar, de modo ainda mais convicto, como deixar de lado os obstáculos remanescentes que nos impedem de receber os dons de Deus na mesma ceia. Enquanto trabalhamos para tal meta, desejo que a nossa reconciliação nos torne livres para testemunhar já agora, com maior alegria, a beleza e a profundidade da fé comum no Deus Trinitário e de servir, com maior compaixão e amor, aqueles que hoje têm uma desesperada necessidade da Igreja – os pobres, os refugiados – e uma criação que geme sob o peso de uma exploração inexorável”.
P: Se Lutero fosse vivo hoje, qual seria a sua reflexão sobre a Igreja Católica?
“Um famoso quadro de Lucas Cranach mostra Martinho Lutero que prega do púlpito de uma igreja de Wittenberg. O representa enquanto indica Jesus Cristo que proclama a palavra de Deus. Cristo é o nosso Alfa e Ômega. Isto é verdade quer para católicos como para luteranos. Acredito que mesmo permanecendo fieis às tradições e ensinamentos, os luteranos e os católicos querem antes de tudo ser conscientes das suas raízes comuns no Batismo e desejam oferecer aquele testemunho ao qual Cristo nos convida hoje. Se Lutero fosse vivo, esperaria de vê-lo alegre pelo fato de que, devido às nossas comuns raízes em Cristo, as memórias derivadas da uma dolorosa história entre católicos e protestantes continuam a cicatrizar”.

Papa na Suécia: celebrar também os 50 anos de diálogo, diz Card. Koch

É grande a expectativa pela viagem do Papa à Suécia, de 31 de novembro a 1º de novembro, por ocasião da histórica celebração luterano-católica dos 500 anos da Reforma.
Na manhã desta quarta-feira, o  Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Greg Burke, deu os detalhes desta que é a 17ª Viagem Apostólica Internacional de Francisco.
Acontecimento inédito
É um acontecimento inédito na história cristã: pela primeira vez a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica celebrarão juntas, em 31 de outubro em Malmö e Lund, na Suécia, os 500 anos da Reforma, que terá lugar em 2017.
O objetivo é manifestar os dons da Reforma e pedir perdão pela divisão perpetrada pelos cristãos das duas tradições, evidenciando o caminho percorrido nos últimos 50 anos de diálogo ecumênico contínuo entre católicos e luteranos, como bem expressa o lema desta viagem, como ressaltou Greg Burke:
“’From Conflict to Communion: Toghether in Hope’, ‘Do conflito à comunhão: juntos na esperança’, que quer dizer que o Papa neste caso recebeu convites quer da Igreja Católica, quer do Governo sueco, quer da Federação Luterana Mundial”.
Programação
Dois dias repletos de eventos: a chegada do Papa às 11 horas do dia 31 no Aeroporto de Malmö, quando será acolhido pelo Primeiro Ministro sueco; após a visita à família real no Palácio de Lund.
No início da tarde, a oração ecumênica na Catedral luterana e o deslocamento até a Arena de Malmö, onde haverá o encontro público com 30 delegações luteranas.
No contexto de uma viagem ecumênica – comentou Burke – o Santo Padre se deslocará acompanhado pelo Presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos, Cardeal Kurt Koch, pelo Presidente da Federação Luterana Mundial, o Bispo Munib A. Younan e o Secretário Geral, o Rev. Martin Junge, também presente no briefing desta manhã:
“Nós entendemos, graças ao nosso diálogo, graças à confiança que cresceu entre nós, graças também ao fato de que fomos capazes de remover alguns dos obstáculos de diferenças doutrinais entre nós, que o tempo está maduro para tentar passar do conflito à comunhão”.
Missa com a pequena comunidade católica
Em 1º de novembro, Festa de Todos os Santos, o Papa Francisco celebrará a Missa, sempre em Malmö, com a pequena comunidade católica sueca, antes de retornar a Roma onde é esperado às 15h30min.
Frutos do evento
São grandes as expectativas pelos frutos deste evento, como o Cardeal Kurt Koch explicou aos jornalistas:
“No passado tivemos centenários confessionais, com um tom um pouco triunfante e polêmico de ambas as partes. Hoje queremos fazer isto juntos e não fazemos somente a celebração dos 500 anos da Reforma, mas também dos 50 anos do diálogo entre luteranos e católicos. Este foi o primeiro diálogo bilateral que a Igreja Católica começou logo após o Concílio, em 1967, e este é também um sinal de gratidão. Pudemos redescobrir tudo aquilo que é comum entre luteranos e católicos”.  

Papa: rio de ódio no mundo é vencido pelo oceano da misericórdia de Deus

"Vivemos em tempos difíceis", os de uma "guerra mundial em pedaços", mas "o rio do ódio e da violência nada pode contra o oceano de misericórdia que inunda nosso mundo."

É o que o Papa Francisco escreve no prefácio do livro “Não tenha medo de perdoar” do Pe. Luís Dri, sacerdote confessor em Buenos Aires e grande amigo de Jorge Mario Bergoglio quando era arcebispo da capital argentina. O livro, realizado em colaboração com Andrea Tornielli e Alver Metalli, foi publicado pela editora RaiEri e estará disponível nas livrarias a partir desta terça-feira, 25.

O Papa Francisco recorda de Pe. Luís Dri as longas horas passadas no confessionário em Buenos Aires, o gesto de beijar a mão dos penitentes, o escrúpulo por ter perdoado demais. Diante do Santíssimo Sacramento, Pe. Luís pedia ele mesmo perdão por ter perdoado demais e, como São Leopoldo Mandić, se dirigia a Jesus que nisso lhe deu “mau exemplo”.

“Um comportamento necessário hoje”, escreve o Papa, “porque ao penitente que entrou no confessionário “por acaso” (“mas no plano de Deus Pai nada é casual”, explica Francisco) ou como etapa final de um percurso sofrido, “é preciso fazer sentir o abraço misericordioso do nosso Deus. Um Deus que nos precede, nos espera e acolhe”.

Não é por acaso que no confessionário de Pe. Luís se encontra um quadro de Rembrandt sobre o retorno do Filho Pródigo. “A misericórdia é o amor materno visceral que se comove diante da fragilidade de sua criatura e a abraça, e a grande fidelidade do Pai que sempre apoia, perdoa e volta a colocar os seus filhos em seu caminho.”

Para Pe. Luís, a misericórdia é um ato de contestação do egoísmo, porque reconhece não "eu", mas "Outro" o princípio criador do mundo. Aceitando a misericórdia de Deus para o homem e imitando o seu comportamento, se adquire benefícios também na vida coletiva, porque “a misericórdia é um comportamento profundamente social”.

O Papa reitera que na “guerra mundial em pedações” que estamos vivendo, “todo sinal de amizade, toda mão estendida e toda reconciliação, embora não faça notícia, é destinada a trabalhar no tecido social", desde a família às relações entre os Estados. Um oceano de misericórdia contra o rio do ódio no qual se imergir e se deixar regenerar.

(MJ)

(from Vatican Radio)

Papa aos jesuítas: "Em meio aos descartados, com a alegria do Evangelho!"

Visita-surpresa do Papa Francisco a seus irmãos jesuítas na manhã desta segunda-feira (24/10). Às 9h, foi à Cúria Geral da Companhia de Jesus e participou da 36ª Congregação Geral e da oração com os 215 delegados de todo o mundo. O Pontífice foi acolhido pelo novo Superior-geral, o venezuelano Padre Arturo Sosa Abascal.  

Alegria é sair para as periferias!

“Buscar a alegria não pode ser confundido com buscar ‘um efeito especial’: é ‘sair rumo às periferias’”, disse o Papa aos jesuítas, em discurso em espanhol, recordando também que “é dever específico da Companhia consolar o povo fiel e ajudar com o discernimento, a fim de que os inimigos da natureza humana não nos roubem a alegria: a alegria de evangelizar, a alegria da família, da Igreja, a alegria da Criação”.

“Não se pode dar uma boa notícia com a cara triste”, advertiu, acrescentando que “a alegria não é um ‘a mais’ decorativo, mas um ‘índice da graça’: indica que o amor é atrativo, operante, presente”.  

Comover-se com o Senhor na Cruz

O Papa exortou, sobretudo no Jubileu do Misericórdia que está se concluindo, a “deixar-se comover pelo Senhor crucificado presente em ‘tantos irmãos que sofrem’, ‘a grande maioria da humanidade’”.

“A misericórdia não é uma palavra abstrata, mas um estilo de vida que antepõe à palavra os gestos concretos que tocam a carne do próximo e se institucionalizam em obras de misericórdia”.

Portanto, “a alegria do anúncio explícito do Evangelho – mediante a pregação da fé e a prática da justiça e da misericórdia é o que leva a Companhia a sair para as periferias”.   

Alegria sempre, inclusive em meio à pobreza e às humilhações

Mas – ressalvou Francisco - é preciso fazer isto sem perder a paz e com alegria. Considerados os pecados que vemos, seja em nós como pessoas, como nas estruturas que criamos, levar a Cruz implica experimentar a pobreza e as humilhações.

“Os jesuítas – concluiu – não caminham nem sozinhos nem com comodidade, mas em um percurso junto com todo o povo de Deus, tentando sempre ajudar alguém. Só assim, a Companhia pode ter o rosto, o acento e o modo de ser de todos os povos e de cada cultura”.   

Padre Pedro Rubens e a universalidade da Companhia

Ainda sobre universalidade da Companhia, o jesuíta brasileiro Pe. Pedro Rubens, reitor da Universidade Católica de Pernambuco, falou à RV sobre este grande desafio de nossos tempos, no contexto da queda das vocações.

Missa em Santa Marta- A farinha e o fermento

«Docilidade» foi a palavra-chave da reflexão do Papa Francisco durante a missa celebrada na terça-feira 25 de outubro na Casa Santa Marta. De facto, esta deve ser a característica principal não só do «caminho» de cada cristão, mas também do caminho mais amplo que distingue o reino de Deus.

O Pontífice, a fim de dar continuidade à sua meditação, antes de tudo fez uma breve evocação à liturgia do dia anterior: «Ontem repetimos, e também rezamos: “Bem-aventurados os que caminham na lei do Senhor”». É preciso, disse «caminhar na lei» e «não só olhar para ela ou estudá-la». Com efeito, a lei «é para a vida, serve para ajudar a realizar o reino, para realizar a vida».

A partir daqui teve início o aprofundamento que caracterizou a homilia. A inspiração foi o trecho do Evangelho de Lucas (13, 18-21) no qual, através das semelhanças do grão de mostarda e do fermento «o Senhor nos diz que também o reino está a caminho».

Mas «o que é o reino de Deus?». Alguém, supôs o Papa, poderia pensar que seja «uma estrutura bem feita», com «tudo em ordem» e «organogramas bem feitos», e que o que não entra nesta organização não pertence ao reino de Deus. Mas pensar desta maneira significaria cometer o mesmo erro no qual se pode cair em relação à lei: «o “fixidez”, a rigidez».

Ao contrário, explicou Francisco utilizando um insólito mas eficaz verbo transitivo, «a lei é para ser caminhada». E também «o reino de Deus está a caminho». E não só o reino «não está parado» mas, mais ainda, «o reino de Deus “faz-se” todos os dias».

Para esclarecer este conceito, disse o Pontífice, «Jesus fala sobre dois aspetos da vida diária: o fermento não permanece fermento, porque mais cedo ou mais tarde se estraga; deve ser misturado com a farinha, está a caminho e faz o pão»; e do mesmo modo «a semente não permanece semente: morre e dá vida à árvore». Portanto: «fermento e semente estão a caminho para “realizar” algo». E também «o reino é assim». O Papa quis reafirmar o conceito: «Fermento e semente morrem. O fermento já não é fermento: mistura-se com a farinha e torna-se pão para todos, alimento para todos. A semente já não será semente: será árvore, tornando-se habitação para todos, para os pássaros...».

Não se trata, explicou Francisco, de «um problema de pequenez», pelo qual se poderia pensar: «é pequeno, é pouco, ou é grande». Mas, pelo contrário, é «um problema de caminho» e precisamente no caminho «ocorre a transformação».

Referindo-se outra vez à homilia do dia anterior – na qual se evidenciou «a atitude de quem vê a lei que não caminha, que estava parada», e compreendia-se que «aquela fixidez era uma atitude de rigidez» – o Pontífice passou ao nível do envolvimento e do compromisso pessoal de cada cristão: «Qual é a atitude que o Senhor exige de nós, para que o reino de Deus cresça e seja pão para todos e habitação, inclusive, para todos?». A resposta é clara: «a docilidade». De facto, acrescentou, «o reino de Deus cresce com a docilidade à força do Espírito Santo».

Neste sentido, Francisco retomou a simbologia proposta pelo trecho evangélico: «a farinha deixa de ser farinha e torna-se pão, porque é dócil à força do fermento»; e «o fermento deixa-se amassar com a farinha». E mesmo se «a farinha não tem sentimentos», pode-se pensar que naquele «deixar-se amassar» haja «algum sofrimento», assim como depois no «deixar-se assar».

A mesma dinâmica, disse o Papa, encontra-se em relação ao reino de Deus que «cresce assim e no final é alimento para todos». Assim como «a farinha é dócil ao fermento» e «cresce», o mesmo acontece para o reino de Deus: «O homem e a mulher dóceis ao Espírito Santo crescem e são dons para todos. Também a semente é dócil por ser fecunda e perde a sua identidade de semente, tornando-se outra coisa, muito maior: transforma-se».

Por este motivo o reino de Deus «está como a lei: a caminho». Ele «está a caminho rumo à esperança, está a caminho rumo à plenitude» e, sobretudo, «faz-se todos os dias com docilidade ao Espírito Santo, que une o nosso pequeno fermento ou a pequena semente à força, e transforma-os para fazer crescer».

Neste ponto o Pontífice delineou outra ligação com a reflexão do dia anterior, quando tinha falado da relação com a lei: «não caminhar a lei – disse – torna-nos rígidos e a rigidez torna-nos órfãos, sem Pai». Porque quem é rígido «só tem patrões, não um pai». Assim o reino de Deus, que se realiza caminhando, «é como uma mãe que, fecunda, cresce» e «doa-se a si mesma para que os filhos tenham nutrimento e morada, segundo o exemplo do Senhor».

Por isso, concluiu Francisco, devemos «pedir a graça da docilidade ao Espírito Santo». De facto com muita frequência «somos dóceis às nossas teimosias, aos nossos julgamentos» e pensamos: «Faço o que quero». Mas «assim não cresce o reino» e «não crescemos nós». Ao contrário, será «a docilidade ao Espírito Santo que nos fará crescer e transformar como o fermento e a semente».